Dançando conforme a música: o triste som do desemprego

(Exercício crítico em torno do espetáculo “Entrevista de emprego” da Companhia Brs.a Coletivo de Artistas, de Brasília-DF. Escrito por Lucas Horas, no contexto da oficina O Riso Critico, realizada no festival Janeiro Brasileiro da Comédia).

Na peça “Entrevista de emprego” da companhia BRs.a. Coletivo de Artistas, a atriz Ana Vaz dá vida a uma personagem que está na busca quase que infinita por uma vaga de emprego. No cenário, estão dispersas algumas cadeiras colocadas de frente para um painel de televisão cuja importância será analisada adiante. Caracterizada com grandes seios e glúteos, a personagem conta com esses elementos para provocar diversos momentos cômicos.

Sendo uma comédia física, ou seja, não verbal, por meio de caras, bocas, alguns sons e muita expressividade, a personagem traduz a inquietação de uma mulher desempregada que há muito procura emprego para poder pagar suas contas. Todo gesto ansioso, incontível em si, revela o turbilhão de pensamentos que se constrói dentro da mente inquieta da candidata.

Neste solo, a personagem inicia entrando em uma sala de recepção do local onde ocorrerá a entrevista. Ali há um painel de televisão que anuncia uma vaga em aberto para Diretor Executivo. É importante compreender a função deste painel, que ao longo da narrativa determinará a música conforme a qual a personagem dançará. Trocando em miúdos a metáfora, o painel funciona como simbolismo de um mercado de trabalho, mercado de curvas de oferta e demanda, mercado pautado na frieza da lógica econômica que subjuga os oprimidos. O painel revela, no decorrer da peça, se há ou não vaga, anuncia a escassez do mercado, dita o compasso e determina o quanto a personagem irá tomar de chá de cadeira. Assim como um mercado de mão invisível, o painel friamente trata nossa personagem como mais um número. E esse número parece que nunca será chamado.

A personagem mostra seu currículo em diversos momentos da peça, com muito orgulho, deixando claro que confia em sua trajetória gabaritada. De forma diametralmente oposta, o painel, personificado, alerta que a vaga de Diretora Executiva foi preenchida. Em seguida, anuncia que a vaga para Gerente foi aberta, muito embora a vaga também seja preenchida a seguir. Após, as vagas de recepcionista e estagiária são lançadas e também, a posteriori, ocupadas. Assim, fica evidente que a personagem estará sujeita a aceitar uma vaga mal remunerada ainda que, como dito, seu currículo seja motivo de orgulho.

Algo notável na peça é que a personagem busca a todo momento reverter a sorte. Afinal, uma mulher procurando emprego no Brasil precisa fugir de qualquer azar. Lutando contra a realidade estrutural e o painel-mercado, a protagonista já está aos prantos e começa a tentar burlar e a fraudar o sistema, pegando várias senhas e acelerando a passagem no televisor. Além disso, um aspecto que chama atenção é o tamanho da bolsa da personagem, que permite que um universo de coisas esteja ali guardado, deixando-a pronta para qualquer situação.

Por fim, surge a vaga de animadora de festa. Obstinada por encontrar um emprego a personagem se candidata e finalmente consegue. Durante a peça e inclusive na seção final, números de mágica são exibidos, revelando que a personagem domina o ofício . Entramos nessa experiência com ela e saímos satisfeitos e realizados com sua conquista.

Entrevista de Emprego
Espetáculo apresentado na Biblioteca Pública Municipal Dr. Fernando Costa, em 23/01/2023, na programação do Janeiro Brasileiro da Comédia
Duração: 60 minutos
Faixa etária recomendada: 10 anos
Criação e concepção: Ana Vaz e Denis Camargo
Atuação: Ana Vaz
Direção: Denis Camargo
Direção de produção: Lupe Leal e Kamala Ramers
Sonoplastia: Lucas Amado
Cenografia: Denis Camargo
Figurino: Andrea Patzsch
Concepção e Desenho de luz: Ana Quintas
Adaptação e operação de luz: Lupe Leal
Designer Gráfico: Jorge Verlindo
Fotógrafo: Thiago Sabino
Filmagem e Edição/Criação de Teaser: Miá Filmes- Bruna Martins
Assessoria de mágica: Galileu Fontes
Realização: Brs.a COLETIVO DE ARTISTAS

Foto: Marcos Morelli/Pref. Rio Preto