Técnica encantatória

Exercício crítico em torno do espetáculo O mago das Megabolhas. Escrito por Kil Abreu

3 de fevereiro de 2023

Exercício crítico em torno do espetáculo O mago das Megabolhas, com a MB Produções Artísticas (Marcelo Aristides de Lima), de Guaíra – PR. Escrito por Kil Abreu, no contexto da oficina O Riso Crítico, realizada no Janeiro Brasileiro da Comédia/2023

No debate que aconteceu após o espetáculo O Mago das megabolhas, Marcelo de Lima, criador das cenas, referiu-se todas as vezes ao seu trabalho como um “show”. Talvez isso possa derivar do fato de que os artistas vindos das técnicas circenses não se consideram mesmo habitantes do mundo do teatro, ainda que o sejam. Mas esta autopercepção, por outro lado, tem boa justificativa na própria montagem. Trata-se mesmo de um show, no sentido de um acontecimento cênico feito para maravilhar.

São quadros sem uma necessária amarração do ponto de vista narrativo, totalizados nesse sentimento de admiração que a plateia estabelece com o palhaço-performer. Como o título sugere, a magia vem na produção e manipulação das bolhas de sabão, técnica desdobrada de várias formas no palco: bolhas minúsculas e gigantes, transparentes ou grávidas de fumaça, bolhas que flutuam, que dançam, incendeiam-se e lá pelas tantas “engolem” a criança que se candidata. Um espanto.

Mas nem só delas, as bolhas, vive a apresentação. Além disso são apresentados números com chicote (com hilária participação de uma pessoa da plateia), truques de toda ordem e uma extraordinária passagem de malabarismo com cones. Esta última é sem dúvida uma das especialidades do artista, capaz de eletrizar o público com a imagem de um palhaço que parece ter mil mãos, a jogar os objetos com o empenho, a atenção e a naturalidade de quem domina totalmente a atração proposta.

O que sustenta todos os números é a presença cativante – mas nem sempre maleável – do palhaço Doriswoldo. Um misto de clown em falsa crise de insegurança, amigo das crianças e tio linha-dura. Cada traço da personalidade a seu tempo, ele conduz a plateia alternando estados de humor, poesia e expectativa viva diante do perigo. Não é um trabalho fácil. Ao mesmo tempo em que o personagem incendeia a audiência, precisa administrar a situação para que não saia de controle. Experimentado, o ator sabe conduzir a brincadeira de uma maneira que a liberdade de manifestação é preservada sem que a cena seja atropelada.

Na conversa pós-espetáculo foi muito interessante saber sobre a formação do artista, seu percurso, seus perrengues e modos para se autoproduzir e dominar os meios que apresenta em cena. É quando descobrimos que o virtuosismo teve como base a vivência e aprendizado nas ruas e convenções de técnicas circenses, mundo afora. Não é algo secundário. Há no trabalho a musculatura própria e a prontidão dos melhores artistas de rua.
Isto talvez explique a alegria das pessoas que lotaram a sala do centro cultural em que o show foi apresentado, no distrito de Engenheiro Schmitt. Não só a sala como também as laterais do espaço, com gente assistindo por fora das janelas, de um lado e de outro. É daqueles momentos em que a formação em bases populares encontra a sua razão de ser, em termos estéticos e políticos. Um ótimo show-espetáculo para uma ótima plateia, em um encontro prazeroso para todos e todas. Encontro que só poderia resultar em um acontecimento através do qual pudemos perceber que a técnica encontrou o lugar e o público certo para traduzir-se como encantamento.

O Mago das Megabolhas
Espetáculo apresentado no distrito Engenheiro Schmitt, São José do Rio Preto, em 29 de Janeiro/2023. Na programação do Janeiro Brasileiro da Comédia.
Ficha Técnica
Direção e Atuação: Marcelo Aristides de Lima
Iluminação: Sarah Schewrz
Sonoplastia: Pedro de Lima
Produção: Milena Macedo Fernandes